7 de outubro de 2010

Exercício de leitura crítica de artigo científico em MCO3


Não alinhes pelas opiniões que o insolente julga verdadeiras ou pretende que
julgues verdadeiras, mas examina-as em si mesmas, pelo que elas são realmente.
(MARCO AURÉLIO)


Introdução

A aula de ontem de MCO3 foi destinada à discussão de um artigo científico original com vistas a pôr em prática a leitura crítica de relatórios de pesquisa. O aluno de Medicina precisa aprender a ler e analisar de forma crítica um artigo científico, saber apresentar os seus principais resultados e discutir a sua relevância.

A aprendizagem da investigação científica é indissociável da sua prática e da compreensão dos seus procedimentos do ponto de vista formal. A utilização de artigos científicos faz parte de propostas pedagógicas nas quais o o aluno localiza, lê e discute artigos publicados em revistas científicas. O desenvolvimento de habilidades de comunicação oral e escrita em linguagem científica é fundamental para o estudante de Medicina.

Isso faz com que os alunos se desloquem de uma posição de completa dependência com relação ao livro didático e às aulas expositivas para uma outra posição que os capacite a procurar informações nas fontes primárias da área e criticá-las.

Como afirma Carvalho (2001), as capacidades de análise e interpretação de dados são pouco valorizados pelos currículos atuais, marcados por uma grande ênfase apenas factual, em detrimento do desenvolvimento de atitudes ou disposições analíticas de pensar, da curiosidade e do ceticismo.

O artigo escolhido foi publicado no mês passado, e consiste no relato de uma pesquisa descritiva e transversal sobre o uso de adoçantes e produtos dietéticos por diabéticos em uma determinada cidade brasileira. Não será apresentada a referência do artigo por razões éticas, preferindo-se não identificar sua autoria.

A discussão começou às 7h00 e foi encerrada às 8h45.

Preferimos deixar a cargo da turma a iniciativa da abordagem dos tópicos a serem discutidos. Os alunos manifestaram interesse na discussão, com participação da maior parte da turma no debate. Percebemos que a seção de Introdução foi a mais focalizada, mas sentimos nitidamente a completa falta de menção à parte estatística do artigo. Os aspectos metodológicos foram enfocados parcialmente.

É preciso salientar que a indiscutível maioria dos estudos na área de Medicina usa a bioestatística para referendar suas conclusões. Pelo exame do modelo do estudo, observa-se o excessivo peso dado aos cálculos estatísticos como fatores definitivos, provas irrefutáveis, de conclusões discutíveis, quando não equivocadas. Assim, os conceitos relacionados com os cálculos estatísticos são fundamentais para a leitura e pensamento críticos diante da literatura médica (CONCEIÇÃO, 2008).
Relatório da Discussão

Juliete iniciou a discussão comentando que na Introdução do artigo não foram definidos termos importantes da pesquisa, como "light" e "diet", não sendo mencionados também os trabalhos anteriores sobre o tema e, consequentemente, não se mostraram as lacunas daqueles, assim como não foi explicitado o problema de pesquisa.

Pablo preferiu falar sobre o título do artigo, que considerou vago: "Consumo de adoçantes e produtos dietéticos...". Questionamos, então, se não seria mais informativo um título que mencionasse precisamente "o quê", dentro do "consumo" desses produtos, foi pesquisado. Poderia ser a prevalência do uso ou os conhecimentos dos pacientes sobre tal uso. Nossa opinião foi de que o termo "consumo" parecia apropriado para o título, desde que nos objetivos do trabalho, fossem apresentados termos mais específicos, porém isso também não se verificou. Acrescentar outras palavras poderia alongar muito o título sem proporcionar informações relevantes, que poderiam ser apresentadas no texto do artigo, mais precisamente nos objetivos.

Pablo comentou também que o parágrafo da Introdução sobre a indústria de produtos dietéticos foi desnecessário e que poderia ter sido suprimido sem prejuízo desta seção ou da justificativa do estudo. Concordamos com ele, uma vez que este parágrafo referia-se a aspectos puramente comerciais e econômicos, não contribuindo realmente para o esclarecimento do tema da pesquisa ou do problema da investigação.

João Guilherme considerou que o problema de pesquisa estava implícito nos objetivos e que poderia ser deduzido a partir da leitura destes. Ponderamos que, como já antecipado linhas atrás no presente relatório, o objetivo deveria conter termos que o especificassem melhor, como por exemplo, "prevalência do uso de adoçantes..." e/ou (...) "conhecimentos dos pacientes sobre esses produtos...".

Igor complementou os comentários sobre a seção de Introdução, opinando que esta não foi concisa e objetiva, como deveria ser em um artigo científico. Concordamos com sua observação, pois o objetivo da Introdução é situar o leitor no contexto do tema pesquisado, oferecendo uma visão do estudo realizado, mas esclarecendo as delimitações estabelecidas na abordagem do assunto, os objetivos e as justificativas que levaram o autor a tal investigação para, em seguida, apontar as questões de pesquisa para as quais se buscam as respostas. Os capítulos mais extensos, o quinto e o sétimo, contribuíram muito para tornar prolixa a Introdução; estes capítulos ocuparam um espaço que poderia ter sido destinado à apresentação do problema de pesquisa.

Consideramos, contudo, que a Introdução apresentou a virtude de partir do contexto geral do tema para depois "afunilar" considerando-se, particularmente, a relevância do estudo sobre o uso de adoçantes e produtos dietéticos pela população diabética. Mas quando ocorreu esse "afunilamento" esperado, os autores redigiram dois parágrafos com idéias não essenciais ao entendimento do tema em estudo.

Que partes da Introdução deveriam ser expandidas ou condensadas, então? A parte a ser expandida, segundo nossa opinião, seria a definição das variáveis primárias da pesquisa e a explicitação do problema de pesquisa. A parte a ser condensada deveria ser aquela referente à indústria de produtos dietéticos, além dos aspectos genéricos incluídos no quinto capítulo. Este poderia ter sido inserido, talvez, mais adequadamente, na Discussão do trabalho.

Ainda em relação a esse aspecto, Igor comentou que os autores do artigo também não justificaram ou explicaram, na Discussão, a necessidade de rodízio dos adoçantes pelos usuários, algo que fazia parte dos questionamentos feitos aos pacientes da pesquisa.

Felipe voltou ao título, perguntando se era mesmo necessário incluir neste o local onde foi realizado o estudo. Sim, porque esse aspecto indica a população à qual se pretende generalizar os resultados da pesquisa. Ao ler o título do artigo, já se pode perceber a que população o estudo se refere.

Dayse também mencionou o título, perguntando se neste poderiam ser usadas abreviaturas de palavras, como por exemplo, SUS, ao invés de "Sistema Único de Saúde". Consideramos que o título do artigo deve ser breve, porém, idealmente, não deve conter abreviaturas. O título é a parte mais lida de um artigo (embora alguns autores considerem que é o resumo) e muitas vezes as abreviaturas são ambivalentes e confundem os leitores, sobretudo aqueles de outros países.

Luis abordou, então, um aspecto em relação aos Métodos, opinando que embora a amostra não tenha sido grande, foi representativa da população da cidade onde se realizou o estudo. Questionamos, a propósito desta intervenção de Luis, se a validade externa do estudo era ampla ou limitada. Vários alunos referiram o que os próprios autores consideraram, na Discussão do artigo, ou seja, que os resultados encontrados no estudo poderiam ser extrapolados para toda a população da cidade.

Esse é um aspecto muito importante a ser discutido na leitura do artigo. É preciso que se diga que os autores se excederam nesta afirmação. Não se tratou apenas de falta de parcimônia, mas de um falso raciocínio, uma falácia lógica. A validade externa desse estudo é limitada. Os resultados do estudo em questão não poderiam ser generalizados para toda a população da cidade, uma vez que a amostragem da pesquisa foi feita por conveniência. Sendo o recrutamento dos sujeitos da pesquisa feito de forma não-probabilística, não se generalizam os resultados da investigação para toda a população da cidade, pois nem todos os indivíduos desta têm chance igual e diferente de zero de participar da amostra.

Além disso, seleção dos pacientes foi feita apenas em dois serviços públicos de determinada área da cidade, excluindo-se muitos pacientes que provavelmente são diferentes quanto ao seu perfil sócio-econômico e educacional, em relação aqueles que foram realmente incluídos na pesquisa. Por outro lado, ainda que a técnica de amostragem tivesse sido probabilística, os resultados poderiam ser extrapolados apenas para a população diabética e não para toda a população da cidade. Ainda se deve considerar que 25% dos diabéticos na cidade em questão desconhecem seu diagnóstico de diabetes mellitus. Ressaltemos que, em qualquer estimativa de prevalência, sempre haverá uma subpopulação de não-diagnosticados, cujo percentual oscila entre 40% e 60%, ou até mais, da população avaliada.

Natália retorquiu, considerando que se poderia generalizar os resultados uma vez que a zona onde ficavam os serviços de saúde incluídos na pesquisa eram representativos da população toda. Insistimos que a população toda tem pacientes atendidos no sistema privado, e mesmo pacientes atendidos no Sistema Único de Saúde de outras zonas da cidade, que apresentam diferenças várias, por morar em regiões diversas em relação aos pacientes recrutados na pesquisa. Na cidade onde foi realizado o estudo, há 67.000 diabéticos, uma vez que é de 12,1% a população diabética do município com idade de 30 a 69 anos, e o total de habitantes deste é de cerca de 563.107 pessoas. Jessé e Heloísa concordaram.

Ainda quanto à metodologia, Pablo considerou acertadamente que não foi feito o cálculo do tamanho da amostra. Os autores também não mencionaram o critério usado para chegar ao número de pacientes incluídos na pesquisa. Considerando-se a proporção na população de diabéticos usuários de adoçantes, através de estudos anteriores, é de 90,5%, adotando-se uma margem de erro de 3%, um nível de significância de 5%, o tamanho mínimo da amostra deveria ser de 474 sujeitos.

A proporção na população é a prevalência (em porcentagem) já conhecida de estudos anteriores ou de dados de literatura, que é de 90,5%. A margem de erro indica o quanto a estimativa deve se distanciar da verdadeira proporção. Em geral esta precisão é dada pela diferença entre a proporção da população e a que se pretende estimar e pode ser expressa diretamente em pontos percentuais. O nível de significância indica a porcentagem de casos na população que estarão fora do intervalo estimado para a proporção. Calcular uma estimativa a um nível de significância de 5% significa que a estimativa estará cobrindo 95% da população.

Portanto, o encontro de uma proporção de 76,7% de uso de adoçantes no estudo em questão pode ter sido subestimado ou superestimado, uma vez que não se pode descartar com segurança a ocorrência de um erro do tipo II, ou erro beta, na estimativa do percentual de usuários desses produtos entre os diabéticos incluídos na amostra.

Mariana passou à seção de Discussão do artigo, comentando que se repetem dados numéricos desnecessariamente, aspecto com o qual concordamos, assim como os demais alunos do grupo. A Discussão é intepretativa, não sendo necessário repetir vários números já apresentados na seção de Resultados. Pode-se, contudo, repetir um ou outro percentual, a fim de se compararem com os resultados de outros estudos, porém isso não deveria ser feito de forma reiterada, além de se repetirem vários dados. Mariana também comentou que se repete a menção aos termos "diet" e "light" diversas vezes, embora não se tenha definido essa terminologia, como foi comentado anteriormente.

Natália perguntou se é adequado o fato de o título ter sido constituído literalmente pelos objetivos do estudo. Ponderamos que sim, tanto o título, quanto algum resultado importante (referente à variável primária), e até mesmo o modelo da pesquisa, podem ser usados na elaboração de um título informativo, desde que este fique conciso, na medida do possível.

Igor perguntou se os dois primeiros parágrafos da seção de Resultados poderiam mais apropriadamente ser inseridos na seção de Métodos do artigo. Esses dois primeiros parágrafos se referiam ao período em que foi realizado o estudo e ao número de pacientes que se recusaram a participar deste. Respondemos que não. No projeto de pesquisa, insere-se o período de coleta de dados provável na seção de Métodos, porém no relatório da pesquisa concluída, tal dado deve ser inserido nos Resultados, pois passa a ser um relato do que foi realizado nos procedimentos do estudo, e pode não coincidir com o que foi planejado no projeto. Isso se aplica também em relação ao número de pacientes que se recusaram a participar.

Ainda na seção de Métodos, João Guilherme comentou que considerava indevida a menção da substituição de sujeitos que se recusaram a participar do estudo por outros que foram atendidos após os primeiros. Inicialmente ponderamos que este não era um aspecto inadequado metodologicamente, já que aqueles indivíduos que se recusaram a participar e, portanto, que não foram incluídos no estudo, poderiam ser diferentes dos que foram convidados a participar em vista da recusa dos primeiros. Assim, não se introduziria um viés de seleção.

Porém, pensando um pouco melhor, voltamos atrás nesta consideração inicial, e levamos em conta o modelo do estudo. A pesquisa foi de modelo transversal e, neste caso, não se consideram perdas, e sim exclusões. Estas últimas dependem de um critério que está implícito em toda pesquisa, ou seja, o critério de que o paciente se recuse a participar. Assim, realmente não faz sentido falar-se em "substituição". Por outro lado, não foi calculado o tamanho mínimo necessário da amostra, o que torna a preocupação com substituições ainda mais desnecessária. Por fim, no início da seção de Resultados, os autores mencionaram o período de seleção dos pacientes e, sendo assim, teria sido suficiente indicar o período que foi necessário para incluir todos os pacientes.

Ícaro e Natália afirmaram que a variável primária não foi definida. Deduzimos, pela leitura do artigo, sobretudo a seção de Resultados, que a variável principal foi a prevalência do uso de adoçantes e produtos dietéticos na amostra. É necessário, contudo, explicitar na seção de Métodos do artigo qual é a variável principal da pesquisa.

Felipe questionou se teria sido necessário a inclusão do instrumento da pesquisa como apêndice ao final do artigo. Sim, teria sido muito importante, pois permitiria avaliar melhor o procedimento de coleta de dados, além de possibilitar mais facilmente a eventual replicação do estudo. Entretanto, é preciso considerar que nos periódicos há grande economia de espaço editorial e na maioria deles não se aceita a inserção de apêndices ou anexos.

Francieudo afirmou que foi insuficientemente discutido o que está realmente no título do artigo. Vários colegas discordaram disso, uma vez que se discute a questão do consumo de adoçantes e produtos dietéticos em vários pontos do texto. Porém, concordamos que não foi suficiente a comparação dos resultados do estudo com outros que focalizam o mesmo problema de pesquisa. Só foram citados dois estudos (brasileiros) na confrontação dos dados da pesquisa com os resultados já publicados na literatura. Esses dois estudos foram uma dissertação de mestrado, realizada em 2006 (não publicada em periódico), e um artigo publicado em 2002.

No entanto, após a discussão do artigo ontem, fizemos uma busca nas bases de dados MEDLINE, LILACS E SCIELO, e encontramos apenas os dois trabalhos que foram citados e que eram recentes (últimos cinco anos). Há estudos feitos com crianças, mas não há outras publicações envolvendo adultos. Portanto, esse não deve ser um aspecto considerado como falha do trabalho. Consideramos, todavia, que essa questão deveria ter sido mencionada na Discussão, ou seja, deveria ter sido salientada a escassez de estudos sobre esse problema de pesquisa na literatura.

A esta altura da discussão, com propriedade, Álvaro sugeriu que fosse feita uma análise por seção, para não seguir de forma desordenada e assim, cobrir todas as partes do artigo, o que foi aceito prontamente.

Juliete voltou então ao resumo do artigo, apontando a ausência de uma conclusão neste. Concordamos que, não apenas faltava uma conclusão no artigo, como também no próprio texto. O último parágrafo da Discussão representa a conclusão do trabalho, mas foi feita apenas uma recomendação para a prática clínica de atendimento aos diabéticos. Se, por um lado, como já mencionado, o objetivo foi mal especificado, por outro, faltou também a conclusão do trabalho.

Após a análise e discussões dos resultados, devem ser apresentadas as conclusões, evidenciando com clareza e objetividade as deduções extraídas dos resultados obtidos ou apontadas ao longo da discussão do assunto. Neste momento devem ser relacionadas às diversas idéias desenvolvidas ao longo do trabalho, num processo de síntese dos principais resultados, com os comentários do autor e as contribuições trazidas pela pesquisa.

Natália questionou se não deveria haver uma seção de Conclusões no artigo. A maioria dos periódicos emprega o texto contínuo para as Conclusões. Geralmente não se separa a Conclusão da Discussão, o que ocorreu também neste artigo. Além disso, é importante apresentar recomendações baseadas nos resultados obtidos, tanto para a prática clínica, quanto para pesquisas a serem realizadas posteriormente, como afirmou Dayse.

Cabe, lembrar, entretanto, que a conclusão é um fechamento do trabalho, respondendo aos objetivos do estudo, apresentados na Introdução. De fato, percebe-se claramente que no artigo sob análise não há conclusão. É baixa ou alta a prevalência de uso de adoçantes pela população estudada? É alto ou baixo o nível de conhecimentos sobre estes produtos pela população? Só depois de apresentadas estas conclusões, é que viriam as recomendações e implicações para a prática e para o conhecimento sobre o assunto.

Larissa interrogou se é necessário apresentar todos os objetivos no texto do trabalho. Respondemos que, no caso da monografia no formato de trabalho de conclusão de curso, de dissertação ou de tese, é necessário que sejam apresentados o objetivo geral e os objetivos específicos, detalhando-se, assim, o primeiro. Na monografia, há uma seção só para os objetivos, que ocupam uma lauda do trabalho. No artigo, entretanto, os objetivos são expressos de forma sintética e breve, pela própria natureza e extensão desse formato. Porém é preciso que fique bem claro quais são os objetivos da pesquisa e que estes objetivos sejam redigidos de forma mais específica, o que não se observou no artigo em questão.

Natália questionou se é correto, quanto à forma, que os parágrafos iniciais de cada seção do artigo apresentem-se sem entrada no texto, diferentemente dos demais parágrafos. Respondemos que esta é uma norma da revista e que desconhecíamos a razão para esta formatação.

Tiago perguntou se as palavras-chave utilizadas no artigo são adequadas para o trabalho. Consideramos que sim, pois representam os termos aos quais o estudo está relacionado e levariam à sua localização em buscas nas bases de dados. Entretanto, verificando agora nos Descritores de Ciências da Saúde (DeCS), observamos que a palavra-chave "adoçantes e produtos dietéticos" não está catalogada nos vocabulários estruturados em qualquer dos três idiomas (inglês, português ou espanhol) e, portanto, deveria ter sido substituída por "edulcorantes", que é uma palavra-chave que formalmente consta entre os descritores.

Em relação às palavras-chave, Liana questionou qual seria a melhor maneira de escolher estes termos para um artigo, se seria selecionando-as no resumo, por exemplo. As palavras-chave podem ser "garimpadas" tanto no resumo, quanto no título ou no texto do artigo. Estas palavras são utilizadas para permitir que o artigo seja encontrado em sistemas eletrônicos de pesquisa, ou mesmo em catálogos impressos. Um bom critério é selecionar as que usaríamos para procurar um artigo semelhante ao nosso. Mas se não estiverem de acordo com a nomenclatura das bases de dados, o artigo corre o risco de não ser encontrado e, portanto, nem citado. Assim, é de fundamental importância que os autores consultem o DeCS (Descritores em Ciências da Saúde). Este sistema foi criado em 1986 pela Bireme a partir do MeSH (Medical Subject Headings) que, por sua vez, surgiu em 1963 e foi produzido pela U.S. National Library of Medicine.

Mariana voltou à Introdução e afirmou que deveria ter sido definido também nesta seção a expressão diabetes mellitus, uma vez que o estudo envolve apenas pacientes diabéticos. Concordamos com essa afirmação. Teria sido apropriado e necessário definir que diabetes é uma síndrome heterogênea decorrente da falta de insulina ou da sua incapacidade de exercer adequadamente seus efeitos metabólicos.

Ainda a propósito da Introdução, Felipe apontou um problema gramatical no início desta seção. A correção gramatical também faz parte da análsie crítica do artigo e se refere à sua forma. Ainda sobre a forma da Introdução, Igor comentou que não há coesão entre os parágrafos.

Nilton questionou por que é importante apontar na Introdução as lacunas existentes na literatura a respeito do problema de pesquisa. É importante indicar não apenas as lacunas, mas também as controvérsias e contradições sobre o tema delimitado na investigação. A introdução deve ser desenvolvida com menção a situações que engendram um problema de certa maneira intrigante e colocado com propriedades que despertem a curiosidade do leitor. Apontar lacunas é indicar a real necessidade de se realizar um novo estudo, que é o que se está relatando no artigo, e assim, indica-se a contribuição que o trabalho terá no conhecimento teórico sobre o problema.

Álvaro considerou que não foram bem definidos os critérios de inclusão do estudo. Vários colegas contestaram, lembrando que foram determinados que seriam incluídos os pacientes com diagnóstico estabelecido de diabetes mellitus tipo II com mais de 30 anos dos sexos masculino e feminino. A propósito, não se deve empregar o termo “acima” quando se quiser indicar “mais” (exemplos: “acima de 30 anos”; deve-se usar: “com mais de 30 anos”).

Liana questionou se o fato de ter havido apenas uma entrevistadora comprometeria de alguma forma a validade da coleta dos dados. Não, os procedimentos de coleta feitos por apenas um pesquisador tende a proporcionar maior uniformidade e homogeneidade às entrevistas. Quando há mais de um entrevistador, é necessário tornar os procedimentos semelhantes entre eles para que não se introduza inadvertidamente um viés de informação ou mensuração.

Igor perguntou se a pesquisa era reprodutível considerando a descrição dos procedimentos do estudo, ou seja, se os métodos foram descritos com clareza suficiente para que o trabalho fosse repetido por outros pesquisadores em lugares diferentes. Vários alunos afirmaram que sim. Questionamos, então, se o instrumento (formulário) foi disponibilizado em apêndice? Não. Os itens do formulário foram descritos na seção de métodos? Não. Então, isso comprometeria a reprodutibilidade da pesquisa? A priori, sim, mas é possível "deduzir" quais foram os itens do formulário aplicado aos respondentes através das tabelas na seção de Resultados. Assim, faltou, como já mencionado, a descrição dos itens contidos no instrumento de coleta de dados, já que aquele não foi inserido em apêndice do artigo.

Ainda sobre o instrumento de coleta de dados, Andreza mencionou que no texto do artigo foi feita referência incorreta ao formulário como sendo um questionário. Este último é preenchido pelo respondente, enquanto o primeiro é administrado pelo pesquisador.

Liana perguntou se é necessário assinalar na seção de Métodos que o estudo é prospectivo ou retrospectivo. Pode-se mencionar esta caracterização do delineamento na seção de Métodos, além de informar que o estudo é descritivo ou analítico, mas muitas vezes é desnecessário. No caso do estudo sob discussão, pela leitura dos procedimentos, que incluíram a realização de entrevista através da aplicação de um formulário, percebe-se fácil e claramente que se trata de um estudo prospectivo. Caso se mencionasse que houve apenas revisão documental de prontuários para coleta de dados secundários, sem realização de entrevistas para coleta de dados primários, deduzir-se-ia que se tratava de um estudo retrospectivo. No entanto, geralmente quando se trata de estudo prospectivo, o autores costumam fazer questão de deixar explícito este fato por meio da expressão "estudo prospectivo", enquanto que em estudos retrospectivos, observa-se geralmente que os autores do estudo omitem essa declaração.

As referências do artigo foram mencionadas também na nossa discussão. Os alunos consideraram que grande parte das referências não é recente. Além disso, houve a limitação a 11 fontes. Verificamos que 36% destas 11 referências (sete) tinham mais de cinco anos de publicação. Foram feitas citações de documentos não publicados (relatório de dissertação, página da Internet) e portanto, não indexados na literatura científica, o que em geral deve ser evitado. Foi citada também uma reunião de especialistas (consenso) e dois capítulos de livro, que igualmente deveriam dar lugar a trabalhos completos publicados em periódicos com Conselho Editorial. As referências de livros são de difícil acesso aos leitores.

Por fim, foi discutido que os autores do artigo não incluíram a apreciação sobre as limitações do estudo. Além disso, a comparação dos achados com a literatura foi pobre, mas não foi justificado o fato como decorrente da escassez de estudos empíricos sobre o tema.

Às 08h45 foi encerrada a discussão.

Acréscimos à leitura crítica do artigo que não foram abordados na discussão em grupo

Vários fatores devem ser levados em consideração quando se avalia a análise estatística, tais como a adequação dos estimadores empregados, o tipo de teste usado na análise inferencial, o nível de significância, o valor biológico/clínico da diferença encontrada, tipo de teste utilizado etc.
Existem vários testes estatísticos que podem ser utilizados para se avaliar a presença de diferença significante entre grupos distintos; esses testes, no entanto não podem ser utilizados arbitrariamente. A escolha de determinado teste deve ser baseado no tipo de variável estudada, no delineamento do trabalho, no número de grupos estudados, etc. A escolha errada de um teste pode fazer com que se aceitem diferenças como significantes sem que elas o sejam e vice-versa.

Consideramos que as tabelas foram bem construídas e apresentaram legendas completas. Porém, o número de tabelas foi excessivo: oito. Em média, o número de tabelas por artigo é de duas a três. O número de tabelas e figuras utilizadas no artigo deve ser limitado a compreensão e elucidação do texto e nem todos os dados de uma pesqusia são apresentados, mas tão somente os mais importantes.

Todas as tabelas foram mencionadas no texto. Mas há abreviaturas no corpo das tabelas 3, 4 e 5 que não foram identificadas em notas de rodapé (DM, SUS). Mesmo sendo conhecidas, tais abreviaturas devem ser identificadas.

A análise estatística descritiva baseou-se no uso de frequências (relativas e absolutas) e médias, mas nas tabelas 2, 3, 5 7 e 8 apresentam apenas as frequências relativas, o que é considerado inadequado. As frequências absolutas devem ser apresentadas também. Por outro lado, as médias não foram acompanhadas por desvios-padrão, que é a medida de dispersão que deve sercalculada para variáveis de nível de mensuração intervalar (tabela 1).

Na estatística inferencial,empregou-se apenas um teste, do tipo não-paramétrico, o teste de Fisher. Questiona-se por que não se usou o teste qui-quadrado, que é o teste mais indicado no caso de variáveis nominais categóricas. Para se usar o teste de Fisher, deveria ter sido justificado que havia número de pacientes por categoria com contagem menor que cinco.

O trabalho com estatística torna-se relevante ao possibilitar ao estudante desenvolver a capacidade de coletar, organizar, interpretar e comparar dados para obter e fundamentar conclusões, que é a grande base do desempenho de uma atitude científica. Ao conduzir este processo, os estudantes precisam aprender como interpretar resultados de uma investigação estatística e colocar questões críticas e reflexivas sobre argumentações que se referem aos dados ou sínteses estatísticas.

Para Rumsey (2002) as principais competências básicas em estatísticas envolvem um conjunto de requisitos, tais como: a) conhecimentos de dados; b) entendimento sobre a terminologia e conceitos básicos de estatísticas; c) compreensão do básico sobre coleta de dados e geração de estatísticas descritivas; d) habilidades básicas de interpretação (habilidade para descrever o que os resultados significam no contexto do problema); e) habilidades básicas de comunicação (ser capaz de explanar os resultados para outras pessoas).

Por fim, a linguagem do artigo foi apropriadamente técnico-científica, contudo não foi completamente correta e precisa. Não houve coerência em alguns argumentos, nem houve clareza suficiente na exposição de algumas idéias.

Referências empregadas na presente análise crítica do artigoCARVALHO, J. S. O discurso pedagógico das diretrizes curriculares nacionais: competência crítica e interdisciplinaridade. Cad. Pesqui. 112: 155-165, 2001.
CONCEICAO, M. J. Leitura crítica dos dados estatísticos em trabalhos científicos. Rev. Bras. Anestesiol. 58 (3): 260-266, 2008.
RUMSEY, D. Statistical Literacy as a Goal for Introductory Statistics Courses. Journal of Statistics Education. 10 (3), 2002.